Uma eventual nulidade ou rescisão da delação de Mauro Cid, fragilizada depois de vazamento de áudio em que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) afirma ter sido coagido pela Polícia Federal, divide a opinião de especialistas em relação ao impacto que pode causar na validade das provas já levantadas pela investigação.
A possibilidade de invalidá-la está sob análise no STF (Superior Tribunal Federal). O tenente-coronel foi preso nesta sexta-feira (22), depois de audiência na corte a respeito do áudio vazado. Na oitiva, o militar negou ter havido coação da PF e não revelou com quem conversava quando deu as declarações gravadas, na qual afirmava ter sido pressionado a dizer “o que não aconteceu”. As informações são da Folha de São Paulo.
Segundo o STF, Cid foi preso por “descumprimento das medidas cautelares e por obstrução da Justiça”. Integrantes da PF afirmam que o militar teria ferido o acordo de confidencialidade da colaboração com o objetivo de atrapalhar a apuração. Afirmam também que uma possível anulação da delação não invalidaria as provas levantadas na investigação.
Especialistas ouvidos pela Folha, entretanto, divergem sobre um possível comprometimento das provas em caso de nulidade da colaboração premiada.
Para o advogado criminalista Fabrízio Feliciano, especializado em direito penal, o áudio em que Cid afirma ter sido coagido pela PF não afeta a validade do que ele já disse à polícia se já foram encontrados elementos que corroboram trechos da delação.
Mas, se comprovado que Cid desrespeitou o compromisso de falar a verdade na delação e mentiu em algum trecho não corroborado por provas, então o militar pode perder os benefícios da colaboração.
“Os benefícios podem ser perdidos, mas o que ele [Cid] levou como informação não é anulado, continua sendo usado pela investigação”, afirma. No caso de comprovada uma coação, entretanto, então todas as provas se perderiam.
Segundo Arthur Prado, advogado criminalista e mestrando em ciências políticas sobre análise, prevenção e combate ao crime organizado e à corrupção na Universidade de Pisa, na Itália, uma eventual nulidade ou rescisão da delação implica a proibição do uso de provas que Cid tenha entregado contra ele mesmo.
Já provas que implicam terceiros podem ser usadas, de acordo com ele. “Se o acordo vier a ser rescindido, provavelmente as provas que ele trouxe sobre outras pessoas ainda serão válidas, só não serão usadas contra ele mesmo.”
Ricardo Yamin, advogado criminalista e professor de direito constitucional da PUC-SP, afirma que é necessário iniciar investigação para averiguar se de fato houve coação no caso. “Se for provado que ele foi coagido, as provas ficam contaminadas pela ilicitude da delação”, afirma.
Já numa rescisão da delação por falta de cumprimento do acordo por parte de Cid, as provas produzidas por ele continuariam válidas e o militar poderia perder os benefícios da delação.
Segundo a advogada criminalista Carolina Carvalho de Oliveira, com formação sobre lei anticrime e aspectos penais, nada da delação pode ser utilizado se ela for anulada por comprovada ilicitude como uma coação. Já se a colaboração não for anulada, mas rescindida por outras razões, ainda há brecha para tentar invalidar as provas decorrentes dela.
A colaboração premiada é um acordo entre investigador e investigado, no qual o segundo se compromete a ajudar na investigação em troca de benefícios negociados, como a diminuição de pena.
Segundo Arthur Prado, qualquer uma das partes pode pedir a rescisão da delação se houver quebra no acordo. No caso de Cid, quem daria o aval para a rescisão é Alexandre de Moraes, ministro do STF relator do processo.
A delação premiada passou a ser usada de maneira mais expressiva no Brasil a partir da operação Lava Jato, momento em que recebeu críticas por irregularidades, como a coação de autoridades. Os especialistas, entretanto, concordam que o instituto foi aperfeiçoado desde aquela época e que seu uso já é pacificado no Brasil.
Citam como importante aperfeiçoamento a lei anticrime (13.964/2019), que, dentre outros aspectos, aperfeiçoou o instituto ao garantir que a delação precisa ser corroborada por provas e não pode ensejar medidas cautelares ou o oferecimento de denúncia com base apenas na fala do delator.
“Hoje em dia é muito mais seguro que a colaboração premiada esteja sendo firmada de livre e espontânea vontade, de que a polícia está de fato correndo atrás de elementos concretos de prova que possam corroborar aquela delação”, afirma Arthur Prado.
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