Por Conrado Hübner Mendes*
— Tô perto da posição, vai cancelar o jogo?
— Abortar… Áustria volta para local de desembarque, ainda estamos aqui.
— Gana prossegue para resgate com Japão.
— Brasil já foi para ponto resgate.
O diálogo entre Gana, Áustria, Japão e Brasil, codinomes dos executores do plano de sequestro e assassinato da “professora”, codinome de Alexandre de Moraes, ilustra o momento mais dramático da operação bolsonarista do golpe. “Por onde anda a professora?”, perguntava Mauro Cid pouco antes. “Informação de que foi para escola em SP”. Talvez se referissem à faculdade onde o ministro leciona.
“Brasil já foi para ponto resgate” nos deu uma metáfora notável. Desses achados que sintetizam uma época. Está em curso, de novo, o “resgate” da instituição militar contra sua sujeição a controle constitucional. A tradição de leniência perante nossa maior instituição de delinquência política volta a mostrar sua força.
Para esse resgate, é crucial distinguir a instituição dos indivíduos que a compõem, estratégia analítica refinada, mas com limites. Afirma-se que a instituição não tem responsabilidade sobre os crimes cometidos por alguns de seus membros, que merecem ser responsabilizados. Preserva-se a honra da instituição na expectativa de que só se consiga ver crimes individuais e não a corrupção institucional.
Outra vez buscamos saber se há militares legalistas que resistem a golpistas. Se algum dia houve legalistas sinceros ou apenas legalistas hipócritas. Se, na brecha para atacar a democracia, os “legalistas” decidiram não embarcar porque se subordinam à lei ou apenas ao medo da derrota, do risco de serem presos ou de perderem alguma sinecura. Se, no final das contas, a cúpula da instituição se resume a golpistas ativos e golpistas passivos.
A crueza das informações documentadas pela Polícia Federal traz provas para atribuição de responsabilidades individuais aos militares que cometeram crime. Não puni-los seria convite para a reincidência.
João Castro Rocha lembrou: “Houve duas tentativas de golpe contra Juscelino. Na primeira, JK anistiou o líder do golpe. O que fez o líder anistiado? Tentou o segundo golpe contra JK junto com o capitão Burnier. Jânio anistiou Burnier. Ele foi um dos artífices do golpe de 1964. E foi dos mais abjetos torturadores da ditadura. Foi quem principiou a torturar o ex-deputado Rubens Paiva e ajudou a transformar a Aeronáutica num dos centros de tortura da ditadura.”
E concluiu: “É isso que acontece quando se anistia um golpista. Ele volta mais forte.”
A receita vale para a delinquência individual, mas sobretudo para a institucional. As estruturas de fundo e a mentalidade vigente nas Forças Armadas facilitam a insubordinação à democracia constitucional.
Permanecem blindadas por esse consórcio entre duas tradições da covardia: a covardia militar, que opta pela ditadura quando a democracia não atende seus delírios de grandeza; a covardia civil, que prefere “não mexer” com militares.
Vai sair caro absolver as dezenas de milicos que praticaram crime. Vai sair muito mais caro anistiar a instituição militar. Preservar sua isenção ao controle civil e a qualquer demonstração de competência e integridade: a Grande Anistia será essa.
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