Indiciado pela terceira vez pela Polícia Federal na última quinta-feira (21), desta vez por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) recebeu uma defesa morna de alguns de seus principais aliados. Por trás das declarações públicas atacando as investigações sob a batuta do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes está uma insatisfação da bancada federal com o ex-presidente.
A mobilização em torno de Bolsonaro foi considerada por um de seus aliados como protocolar, “para fingir que se importam”. No X (antigo Twitter), 23 dos 93 deputados federais do PL (25%) criticaram o indiciamento nas 24 horas seguintes à divulgação do caso, alguns deles de forma genérica, sem nem mencionar Bolsonaro. No Instagram, a taxa é superior: 43 deles (46%) publicaram algum tipo de apoio ao aliado.
O descontentamento desses aliados se põe sobre dois principais motivos. Um deles é a “ingratidão” com que definem o tratamento dado por Bolsonaro em retribuição às demonstrações de lealdade nos últimos anos. O outro, a preferência do ex-presidente a candidatos do Centrão em detrimento de “bolsonaristas raiz” nas articulações das eleições municipais.
O tom usado por parlamentares do PL sobre o ex-presidente vem mudando se comparado com a postura adotada durante o governo Bolsonaro (2019-2022), de profunda deferência. Parlamentares relataram ao Estadão, em anonimato, que falta reciprocidade de Bolsonaro na hora de defender seus aliados acossados por investigações, o que tira deles disposição para ombrear o líder em momentos como os mais recentes.
Um desses congressistas avalia que metade da ala bolsonarista do partido – estimada em cerca de dois terços dos 93 deputados – esteja hoje disposta a romper com Bolsonaro se surgir uma liderança forte o suficiente para enfrentar o PT em 2026.
Um deputado da tropa de choque de Bolsonaro na Câmara afirmou que as queixas com o ex-presidente têm sido assunto recorrente nas rodas de conversa da bancada. Alguns deles cogitam que, caso Bolsonaro permaneça inelegível na próxima eleição presidencial, uma eventual chapa dos governadores Ronaldo Caiado (União), Goiás, e Romeu Zema (Novo), Minas Gerais, pode receber amplo apoio da direita.
Nos últimos anos, deputados e senadores bolsonaristas têm sido alvo de investigações diversas no STF, desde o chamado inquérito das fake news, aberto de ofício no começo de 2019. Mas o cerco ao ex-presidente recrudesceu ao longo de 2023 após os ataques do 8 de Janeiro, as acusações de falsificação de seu cartão de vacina e o caso das joias sauditas, de que Bolsonaro teria se apropriado indevidamente. Os três episódios levaram a diferentes indiciamentos pela PF.
Alguns deputados do PL avaliam, entretanto, que enquanto saíram a público defender o líder contra o que consideram uma perseguição de Moraes, o mesmo não foi feito pelo ex-presidente. Os casos são contados aos montes, mas um dos mais graves é o de Daniel Silveira (PL-RJ). Ele está preso desde fevereiro de 2023, um dia após o término de seu mandato, após ameaçar ministros do STF.
Outros deputados do PL estiveram na mira de Moraes: Alexandre Ramagem (RJ), André Fernandes (CE), Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Carlos Jordy (RJ), Eduardo Bolsonaro (SP), Eliézer Girão (RN), Filipe Barros (PR), Junio Amaral (MG), Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (SP), Marco Feliciano (SP), Silvia Waiãpi (AP) e Zé Trovão (SC).
Logo após a invasão aos prédios dos Três Poderes, 1.424 pessoas chegaram a ser detidas. Atualmente, a maior parte responde pelos atos em liberdade. Na última semana, chegou a 284 o número total de condenados pelo STF por participação nos atos antidemocráticos, a partir de denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF).
Mesmo que o PL tenha se mobilizado para aprovar a anistia aos condenados no 8 de Janeiro, a atuação de Bolsonaro no caso irritou alguns aliados. Deputados foram pegos de surpresa com um acordo feito entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ex-presidente e o chefe nacional do PL, Valdemar Costa Neto, para tirar o projeto da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob o comando de Caroline de Toni (PL-SC), e atrasar sua tramitação, a fim de não prejudicar as articulações para a eleição da nova Mesa Diretora.
As negociações entre Bolsonaro e candidatos pouco alinhados à direita nas eleições municipais também acirraram os ânimos dentro da bancada. Em São Paulo, o ex-presidente apoiou formalmente o prefeito Ricardo Nunes (MDB), mas titubeou entre o aliado e o candidato Pablo Marçal (PRTB), favorito da militância. Em Curitiba, traiu de última hora a chapa de Eduardo Pimentel (PSD), à qual tinha indicado Paulo Martins (PL) de vice, em favor de Cristina Graeml (PMB).
Apoiadores mais ideológicos se queixaram para as lideranças do partido terem sido deixados de lado por Bolsonaro em detrimento a candidatos considerados mais “fisiológicos”. Só no Estado de São Paulo, cidades como Guarulhos, Taubaté, Americana, Pindamonhangaba e Guarujá experimentaram insatisfações do tipo.
Após o indiciamento desta quinta-feira, candidatos a substituir Bolsonaro em 2026 evitaram defesa enfática do ex-presidente, com exceção do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Caiado disse esperar o fim das investigações para comentar o caso.
Sobre o indiciamento na Operação Contragolpe, o criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, diz que só vai se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”. Quando o ex-presidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silêncio. Ao portal Metrópoles, nesta quinta, após o indiciamento, Bolsonaro afirmou que “a luta começa na PGR” e que não pode “esperar nada de uma equipe que usa criatividade”.
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