Do Estadão
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) distribuiu diretamente para a própria família parte dos R$ 17,1 milhões que arrecadou via Pix. Só a mulher, Michelle, a lotérica do irmão dele, Angelo, e a síndica do condomínio onde vive o filho Eduardo, em Brasília, receberam, juntos, R$ 148,3 mil, entre janeiro e julho deste ano.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) destaca que, só neste ano, foram feitos 10 pagamentos para a ex-primeira-dama que somaram R$ 56.073,10. Em um evento no último dia 29, Bolsonaro ironizou as suspeitas sobre sua arrecadação e disse que o dinheiro daria para “pagar contas e comer um pastel com dona Michelle”.
A ex-primeira-dama, no entanto, não foi a principal destinatária da fortuna arrecadada por Bolsonaro neste ano. No relatório do Coaf enviado à CPMI do 8 de Janeiro, a pessoa que mais recebeu pagamentos de Bolsonaro entre janeiro e julho foi Leda Maria Marques Cavalcante, com seis transferências que somaram R$ 77.994. Ela é síndica do Condomínio Estância Quintas da Alvorada, em Brasília, onde o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) vive com a mulher e a filha.
Órgão responsável por comunicar às autoridades indícios de lavagem de dinheiro, o Coaf citou ainda 17 pagamentos, que somam R$ 14.268,04, para a Casa Lotérica Jonatan e Felix LTDA. A empresa, localizada em Eldorado, no interior de São Paulo, está em nome de Angelo Guido Bolsonaro, irmão do ex-presidente.
Também aparecem como destinatários de repasses de Jair Bolsonaro o tenente do Exército Osmar Crivelatti. O militar recebeu um valor total de R$ 11.543,94 do ex-presidente nesse período, em 29 transferências. Todos os repasses citados ocorreram entre 1º de janeiro e 4 de julho. Crivelatti tem um salário de cerca de R$ 21 mil mensais.
Crivelatti é, atualmente, um dos assessores pessoais de Bolsonaro. O militar entregou à Polícia Federal (PF) as armas que o ex-presidente recebeu dos Emirados Árabes Unidos com o advogado Paulo Cunha, que representa Bolsonaro. O primeiro-tenente era o braço-direito do tenente-coronel Mauro Cid – “faz-tudo” do ex-presidente e preso desde maio por inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.
Alvo da CPMI do 8 de Janeiro, Crivelatti assinou um e-mail que sugere que Bolsonaro e Michelle receberam um envelope e uma caixa com supostas pedras preciosas na cidade de Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais, no ano passado. Troca de mensagens indica que os presentes não teriam sido cadastrados oficialmente. Os e-mails foram obtidos pela comissão na caixa de e-mails de Crivelatti.
“Em 27/10/2022, foi guardado no cofre grande, 01(um) envelope contendo pedras preciosas para o PR (presidente da República) e 01 (uma) caixa de pedras preciosas para a PD (primeira-dama), recebidas em Teófilo Otoni em 26/10/2022. A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas e devem ser entregues em mão para ele. Demais dúvidas, Sgt Furriel está ciente do assunto”, indica o e-mail.
Os pagamentos feitos por Bolsonaro foram destacados pelo Coaf como parte das suspeitas de “burla fiscal e lavagem de dinheiro”, na avaliação dos analistas do órgão.
No fim de junho, em mensagens distribuídas por WhatsApp e redes sociais, aliados de Bolsonaro pediram doações para o Pix do ex-presidente depois que começou o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo qual ele ficou inelegível. Multas sofridas pelo ex-presidente também foram citadas pelos bolsonaristas como justificativa para os pedidos de dinheiro.
Parlamentares do PL, sigla de Bolsonaro, usaram suas contas nas redes sociais para supostamente ajudar no custeio das despesas pessoais de Bolsonaro com a Justiça. O levantamento do Coaf não especificou a data exata de cada uma das transferências feitas ao ex-presidente. O órgão também não apontou, de forma conclusiva, quais foram os motivos para Bolsonaro ter recebido tanto dinheiro.
Os analistas especializados em lavagem de dinheiro disseram que “chamou a atenção o montante de PIXs recebidos em situação atípica e incompatível” e cogitaram que esses pagamentos ao ex-presidente “provavelmente possuem relação” com a campanha de arrecadação promovida por aliados.
Parlamentares da base do governo tentam seguir o rastro do dinheiro de Bolsonaro e da ex-primeira-dama. Querem aprovar requerimentos para que o Coaf analise detalhadamente a movimentação financeira do casal.
“Bolsonaro surrupiou R$ 17 milhões da população, guardou, investiu e não pagou nem a multa que era devida. Isso é um crime contra a economia popular. Abusou da boa-fé, inclusive, de quem o apoia, além de ter nessa listagem um monte de Pix repetidos. Não foram todas essas pessoas, mas, sim, algumas que fizeram esses Pix”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Mas o presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), mesmo criticado pela base governista, ainda não quis colocar em votação pedidos de quebra de sigilo bancário de Bolsonaro e Michelle ou pedidos de relatórios ao Coaf.
“Ao meu ver, neste momento não tem nenhuma razão para terem o sigilo quebrado. Claro que CPI é uma coisa viva. Se chegarem novas informações que suscitem a convocação ou a quebra de sigilo de quem quer que seja, isso será feito. Mas até o momento eu não consigo enxergar nenhum vínculo causal entre o que aconteceu no dia 8 de Janeiro e o presidente e a esposa dele”, alegou Maia na última quinta-feira (4).
Os dados bancários de Bolsonaro só chegaram na comissão porque foi aprovado um pedido de relatório ao Coaf sobre a movimentação financeira de Cid. Como o militar tinha procuração para manusear as contas bancárias do ex-presidente, transações atípicas dessas contas foram citadas e anexadas no relatório do Coaf que analisa movimentações recentes de Cid.
Em nota, a defesa de Bolsonaro afirmou que os valores “são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita”. E que “nos próximos dias tomará as providências criminais cabíveis para apuração da autoria da divulgação de tais informações”.