Por Ricardo Noblat
O Globo
Pensei: o cara pirou. Só pode ser. Tudo bem que tenha se sentido ofendido pela reportagem do The New York Times sobre seu gosto por bebidas alcoólicas. Pega mal para um governante ser citado assim.
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Mas o presidente russo Boris Ieltsin também o fora. E na rede de televisão CNN protagonizara cena memorável dançando em um palco no centro de Moscou depois de ter bebido todas as vodcas possíveis.
Daí a Lula determinar a expulsão do país do correspondente do jornal, Larry Rother? Sinto muito, era exagero. E também um abominável ato de arbítrio.
Foi isso o que ele ouviu dos poucos assessores com alguma gota de coragem para enfrentar seus costumeiros ataques de cólera - “exagero”. Em público, ele vestia a fantasia do “Lulinha paz e amor” com a qual se elegera pela primeira vez.
Um dos assessores, em reunião no gabinete presidencial do Palácio do Planalto, sacara de um exemplar da Constituição e apontara o artigo que garantia ao jornalista o direito de permanecer no Brasil.
Então Lula cometeu a célebre frase que postei no meu blog no dia 12 de maio de 2004, poucas horas depois de ela ter sido pronunciada: “Foda-se a Constituição!”.
Naquele dia, mais de um deputado e senador discursou no Congresso a propósito do que Lula dissera a respeito da Constituição, embora nenhum, por pudor ou receio de ferir o decoro, tenha reproduzido a frase ofensiva e grosseira.
Diretores de jornais e revistas me telefonaram perguntando se eu estava seguro do que publicara. Nenhum ousou escrever sobre o episódio. Eram outros os tempos.
Nos tempos das redes sociais, a imprensa não é mais reverente com os poderosos até porque perdeu o monopólio da informação. Algo que não se dê, a internet dá.
Palavras e frases consideradas chulas antigamente foram assimiladas pela linguagem corrente. De resto, como ignorá-las quando saem da boca de homens públicos e têm a ver com fatos públicos relevantes? Foi o que aconteceu outra vez com Lula.
Um vídeo postado na internet deu conta do que ele disse em conversa com a presidente Dilma poucos minutos depois do fim do seu depoimento forçado à Lava-Jato na última sexta-feira.
Lula disse: “Eles que enfiem no cu todo o processo". Referia-se, certamente, aos procuradores que o haviam interrogado. E ao processo que apura a roubalheira da Petrobras e a sua eventual culpa por ela.
A saída encontrada por Lula para sobreviver foi se declarar desde já candidato a presidente da República em 2018, correr assustado para o colo do PT, anunciar seu retorno às ruas e reconciliar-se com o discurso incendiário da época em que era inimigo das elites e a elas não se associara ainda, adotando apenas o que elas têm de pior.
Dará certo? Difícil que dê. Seria preciso combinar antes com os adversários.
Com a Lava-Jato. Com a crise econômica que se anunciou no seu segundo governo. Com a sucessora eleita e reeleita, sem talento para administrar, sequer, uma loja de produtos baratos, quanto mais um país.
Com o PT devastado pela corrupção e em queda acelerada no ranking dos partidos mais admirados. E com a maioria dos brasileiros que diz rejeitar a hipótese de votar nele, Lula, novamente.
Só há um responsável pela tragédia política e pessoal que Lula enfrenta: ele mesmo. Lula está quase nu. E o que já se vê não é recomendável para eleitores com 16 anos ou mais.