Deputados federais e estaduais propuseram projetos de lei para proibir planos de saúde de exigirem o consentimento dos maridos para a inserção de DIU (dispositivo intrauterino) em mulheres casadas.
Os projetos foram criados após o jornal Folha de S.Paulo revelar que planos estavam impondo a necessidade do consentimento do cônjuge para a colocação do contraceptivo nas esposas.
As cooperativas da Unimed João Monlevade e Divinópolis, em Minas Gerais, e Ourinhos, em São Paulo, estavam fazendo a exigência. Juntas, elas atendem a mais de 50 municípios em dois estados.
Após o contato da reportagem, as unidades de Divinópolis e Ourinhos abandonaram a imposição. Já a de João Monlevade negou exigir o consentimento. Disse que apenas recomenda que o termo de consentimento seja compartilhado, por isso o espaço da assinatura do companheiro.
Um dos projetos foi proposto pelo deputado federal Ricardo Silva (PSB-SP). Além de buscar impedir que planos e seguros de saúde peçam o consentimento do marido para inserção do DIU, o texto expande a proibição para uniões estáveis ou qualquer forma de relacionamento afetivo.
“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição Federal de 1988, não cabendo ao homem o direito de interferir na liberdade da mulher em escolher engravidar ou não, mediante expressão de consentimento na inserção de métodos contraceptivos”, diz o texto da proposição.
O deputado afirma que optou pela criação de um projeto de lei pois vê a necessidade de uma legislação específica sobre o tema. Silva explica que mesmo diante de leis que garantem a liberdade de escolha da mulher sobre métodos contraceptivos os planos de saúde mantiveram a exigência, por isso, com a criação da lei, não sobrará dúvidas de que a imposição é ilegal.
“Nós temos as leis dos planos de saúde, mas nós fizemos questão de criar um projeto específico barrando essa conduta e remetendo essas punições ao plano de saúde, que são punições que variam de multa, suspensão do cargo do diretor que assinar essa exigência até a suspensão do plano de saúde”, diz.
Em caso de descumprimento, as operadoras poderão enfrentar penalidades previstas na lei 9.656/1998, que dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à saúde.
Elas incluem advertência, multa, cancelamento da autorização de funcionamento, entre outras. Os administradores e membros dos conselhos das operadoras podem ser suspensos do cargo e inabilitados temporária e até permanentemente de exercerem cargos em diretoria ou conselhos das operadoras.
Em São Paulo, foi feita uma proposição pelo deputado estadual Thiago Auricchio (PL).
Neste caso, além de impedir planos e seguros de saúde de exigirem o consentimento do cônjuge ou companheiro para a inserção do DIU, o projeto impede também profissionais da saúde, além de ampliar a proibição para implantes contraceptivos e injeções anticoncepcionais, métodos não mencionados na reportagem da Folha.
“Em nosso entender, exigir autorização do marido para esse tipo de procedimento prejudica a autonomia e a independência da mulher, na medida em que quebra a confidencialidade existente entre médico e paciente”, afirma o texto do projeto.
Se as operadoras descumprirem a legislação, estarão sujeitas às penalidades previstas nos artigos 56 do Código de Defesa do Consumidor, que variam entre multa, cassação do registro do produto junto ao órgão competente, suspensão do fornecimento do serviço, cassação da licença de atividade, entre outros.
Também foi proposto um PL em Mato Grosso do Sul, no qual o deputado estadual Evander Vendramini (PP) busca proibir no estado os planos de pedirem o consentimento do cônjuge para a “a inserção de qualquer método contraceptivo” .
Em caso de descumprimento, os responsáveis também podem sofrer as penalidades previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, além do artigo 57, que estabelece que a multa deve ser aplicada de acordo com a gravidade da infração.
Apesar dos projetos de lei impedirem a necessidade do consentimento do companheiro, a lei 9.263 de 1996, que dispõe sobre o planejamento familiar, garante a autonomia da mulher, assim como a do homem, na escolha de seus métodos contraceptivos.
Em seu artigo 9º, a legislação prevê que para o exercício do planejamento familiar “serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção”.
A lei foi a utilizada de forma ilegal pelos planos de saúde para justificar a exigência da autorização do marido. As operadoras fizeram uma interpretação extensiva do artigo que estabelece que a esterilização cirúrgica, como a laqueadura e a vasectomia, só deve ser feita com o consentimento expresso de ambos os parceiros caso sejam casados.
A especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas) Vera Chemim explica que a lei de planejamento familiar já garante a liberdade de escolha da mulher, mas que mesmo diante da existência de uma legislação sobre o tema, não há prejuízo em se criar uma lei especifica para este caso, que seja direcionada às mulheres.
Se aprovadas, as legislações serviriam para esclarecer que as operadoras de planos de saúde não podem fazer a exigência, além de mostrar com maior clareza que a imposição é ilegal.
“Se há um projeto de lei que queira elucidar a questão no que se refere especificamente à mulher, tudo bem. Talvez seja até mais segurança para a mulher”, afirma Chemim.
“Isso vai de uma vez por todas esclarecer essa situação e não vai dar nenhum tipo de lacuna jurídica para nenhum plano de saúde estabelecer essa exigência.”
Fonte: Folha-PE
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