“A gente precisa economizar até a água de beber porque o dinheiro pode faltar para a comida. Passei por situações em que não pude dar um lanche para os meus filhos porque tinha que garantir o almoço e o jantar”. O triste relato foi feito por Gleice Kelly de Oliveira, uma das 116,8 milhões de pessoas que conviveram com algum grau de insegurança alimentar no Brasil em 2020, de acordo com pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Esse número engloba os 19 milhões de brasileiros que enfrentaram a fome no ano passado, deixando claro que a privação de alimentos é um problema real no Brasil e que, muito mais que um número, possui rosto, nome e sobrenome.
A quantidade de pessoas que sofreram alguma restrição alimentar em 2020 poderia ter sido ainda maior caso não houvesse o auxílio emergencial, que voltou a ser pago na última terça-feira. O novo valor do benefício, que varia entre R$ 150 e R$ 375, chega a representar apenas 25% da quantia oferecida nas primeiras parcelas do ano passado.
Gleice Kelly mora com os dois filhos, Luan Miguel (8) e Kaiky Gabriel (4), e o marido Sebastião Inácio, que é auxiliar de serviços gerais. Gestante de alto risco, ela está impossibilitada de trabalhar no momento e se decepcionou com o novo valor do benefício. “Somente o salário do meu marido não dá para sustentar a família. Com o valor antigo do auxílio já foi bastante complicado, pois os preços dos alimentos subiram muito. Agora com R$ 150 vai dar para comprar o que? Somente um gás é R$ 80, o que a gente vai fazer com os R$ 70 que sobram?”, indagou Gleice.Gleicy Kelly e seus dois filhos, Luan Miguel (8) e Kaiky Gabriel (4). – Crédito: Arthur de Souza/ Folha PE
Além da alimentação e dos gastos fixos, Gleice e os filhos precisam fazer uso de medicamentos que possuem um custo elevado, comprometendo ainda mais o orçamento da família. “O pobre não tem como sobreviver. Meus filhos são asmáticos e eu preciso usar uma medicação contra trombose que é cara. Não tem como comprar medicamentos e colocar alimento na mesa ao mesmo tempo”, relata Gleice.
A volta do auxílio aconteceu após três meses de indecisão do Governo Federal sobre o benefício. Nesse intervalo, muitos brasileiros ficaram sem ter nenhuma fonte de renda fixa, sendo obrigados a se expor ao vírus para conseguir alguma receita. “A gente precisa se arriscar para sobreviver, porque não tem como ficar em casa sem ter dinheiro e com contas para pagar. Eu tenho muito receio de pegar a doença, pois a gente nunca sabe como o corpo vai reagir. Pegamos ônibus lotado, trabalhamos na casa de pessoas, então ficamos com medo de ser contaminados. Ou a gente se arrisca, ou a gente não tem o que comer”, explicou a trabalhadora doméstica Maria Gilda de Oliveira.
A trabalhadora perdeu metade dos serviços que fazia no período pré-pandemia e contou que a renda que tem, mesmo com o novo valor do auxílio, é para apenas sobreviver. “O valor de R$ 150 não permite que a gente faça nada, mal dá para comer. Eu não posso me permitir de ter um momento de diversão, porque esse dinheiro pode faltar para eu gastar dentro de casa. Hoje não existe mais lazer, só existe sobreviver”, comentou Maria Gilda.
Fonte: Folha-PE