Folha de S. Paulo -Anna Virginia Balloussier e Fernanda Mena
Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa Dilma-Temer no julgamento que começa nesta terça-feira (6), destituindo o peemedebista da chefia do Executivo nacional, a Constituição determina que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) assuma o cargo, e o Congresso convoque eleições indiretas em 30 dias.
Para aqueles que defendem essa receita constitucional, prescrita no artigo 81 da Carta, não se trata de gostar ou não de entregar a escolha do novo presidente aos 513 deputados e 81 senadores da República, muitos deles alvos de investigação.
"Tem que aplicar a Constituição, senão a sociedade está perdida. Viveremos fora da ordem constitucional", afirma o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau.
Ele se refere à bandeira de eleições diretas, erguida por parte dos grupos que pedem a saída do presidente Michel Temer e pleito popular. Para isso, no entanto, seria necessária alteração da Constituição, objeto de duas propostas de emenda constitucional (PEC), que circulam na Câmara e no Senado.
Segundo o Datafolha, 85% dos brasileiros apoiam a convocação de eleições diretas.
"O povo é contra [eleições indiretas] porque não compreende bem a Constituição. É matéria muito técnica", diz o jurista Ives Gandra da Silva Martins. "Se cada vez que houver um grupo político mais forte quiserem mudar as regras, teremos uma Constituição casuística."
Para ele, o artigo 16 da Carta é uma barreira a esse tipo de mudança, pois determina que a lei que alterar o processo eleitoral só se aplicará um ano depois que entrar em vigor.
Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana e colunista da Folha, avalia que "a solução constitucional é ruim, mas não tanto quanto a eleição direta, que é brincar com a Constituição".
"Se não há regras estáveis para a sucessão presidencial, toda vez que houver uma crise, poderemos ter soluções diversas. Essa brincadeira termina como terminou em 1964", diz, em referência ao golpe militar. Ele diz, porém, que o país deveria discutir a eleição direta de uma Constituinte soberana depois das eleições indiretas para um mandato tampão.
João Amoedo, presidente do Partido Novo, admite que possamos "discutir eleições diretas faltando seis meses para o término do mandato, mas não agora, no meio do processo". "As instituições têm de estar acima de tudo."
Para além do argumento da estabilidade institucional, eles apontam a questão do prazo. "Não vai dar tempo", afirma Grau, avaliação compartilhada por Gandra.
Isso porque uma eleição popular dependeria de aprovação da PEC, ainda sem votação definida, e de tempo para as campanhas de esclarecimento das propostas dos candidatos ao pleito.
Para o economista e colunista da Folha Joel Pinheiro da Fonseca, pesquisas que sondem a preferência popular por diretas pecam por "não deixar claro os custos e alternativas".
"Será que a população sabe que, caso Temer caia e a eleição direta vigore, ela votará duas vezes para presidente em menos de dois anos? Que gastaremos mais centenas de milhões de reais de dinheiro público em campanhas, que as brigas vão se acirrar ainda mais?"
Uma crise política, continua, "não nos deve fazer chutar a lei para escanteio e gritar por voto popular toda vez que alguma pesquisa de opinião assim indique. É justamente na crise que seguir a lei se torna mais importante. O contrário disso é vale-tudo demagógico".
FICHA LIMPA
Fonseca diz privilegiar alguém "acima das rusgas partidárias" no caso de indiretas, como o ministro Henrique Meirelles (Fazenda), "pela continuidade com o bom trabalho econômico e pela história junto ao governo Lula", e o senador Cristovam Buarque (PPS).
Para Grau, um "homem sereno e prudente" para o pleito indireto é o ex-ministro Nelson Jobim, que presidia o STF quando ele começou na corte, em 2004.
Pesam contra Jobim (PMDB), no entanto, relações colaterais com a Lava Jato. Ele é sócio do BTG, banco investigado, e foi consultor da defesa de três empreiteiras que são alvo da operação. Uma bilionária compra de submarinos quando foi ministro da Defesa de Lula também está na mira dos procuradores.
Gandra, que gostaria de ver Fernando Henrique Cardoso candidato, defende que o pleito indireto admita candidaturas cívicas, de pessoas sem filiação partidária, e barre qualquer um sob investigação.
"Não ter nenhum compromisso com investigados" é um dos pré-requisitos do Movimento Brasil Livre para apoiar um candidato eleito pelo Congresso. Por isso, um dos líderes do MBL, Kim Kataguiri, risca os nomes de Jobim e Meirelles, que foi presidente do conselho da J&F, holding da família dos irmãos delatores Joesley e Wesley Batista.