Celso Rocha de Barros - Folha de S.Paulo
Michel Temer vai ao TSE tentar provar que era vice o suficiente de Dilma para assumir em seu lugar depois do impeachment, mas não o suficiente para ser cassado junto com ela. Qualquer jurista sério, qualquer pessoa razoável, sabe que seria ilegal separar os companheiros de chapa no julgamento. O relator do processo, ministro Herman Benjamin, parece ser as duas coisas, e pedirá a cassação da chapa. Gilmar Mendes vai tentar matar no peito.
Ao que tudo indica, houve mesmo dinheiro de corrupção na campanha de Dilma/Temer. Mesmo que nenhum dos dois tenha participado do esquema de onde veio o dinheiro, se o suborno for comprovado, é correto cassar a chapa.
Afinal, o dinheiro sujo lhes dava uma vantagem indevida contra as chapas que não receberam dinheiro do cartel das empreiteiras, como era o caso da chapa do...da... bom, em tese poderia ter havido uma chapa que não tivesse recebido dinheiro do cartel das empreiteiras. E essa chapa teria saído em desvantagem contra as que receberam.
Se a doação ilegal for comprovada, ficará claro que Dilma Rousseff não deveria ter terminado seu mandato, mesmo que não fosse culpada de nada, pessoalmente. Sua chapa deveria ter sido cassada, e novas eleições deveriam ter sido realizadas, sem a participação de nenhuma chapa que tivesse recebido dinheiro do cartel das empreiteiras. Nesse cenário talvez tivesse sido necessário importar chapas. Uma disputa entre o Frente Amplio uruguaio e a Democracia Cristã alemã pela presidência brasileira, por exemplo, certamente atrairia público.
Bom, alguém pode perguntar, então o impeachment não foi tão ruim assim, foi? Se Dilma deveria mesmo ter sido cassada, tanto faz se foi de um jeito ou de outro. Não.
O impeachment de 2016 matou duas eleições presidenciais, a de 2014 e a que teria podido acontecer em 2016. O impeachment desviou o sentimento de insatisfação popular em favor do pessoal de que fala Raymundo Faoro em seu livro mais famoso. Como bônus, ganharam tempo até que se fechasse a janela legal em que a cassação implicaria a convocação de novas eleições.
Desde o dia primeiro de janeiro de 2017, cassar Dilma/Temer é jogar a eleição para o Congresso, onde votaria a mesma turma que deu a Temer a presidência em 2016. Gilmar Mendes (quem mais?) inclusive já sugeriu que se eleja o próprio Temer para terminar o mandato. Ao contrário de uma nova eleição direta, que reabriria o jogo, a eleição no Congresso garante que o grupo no poder será o mesmo que fez o impeachment.
Seria bom se alguém encontrasse uma saída constitucional que permitisse novas eleições nos próximos meses. Até agora, que eu saiba, ninguém encontrou. É difícil imaginar um bom presidente eleito por essa legislatura. Se o quadro continuar assim, restará aguentar o PMDB no Planalto até o fim do mandato que deveria ter sido de Dilma ou de quem vencesse as eleições diretas de 2016.
Só torço para que o TSE encontre uma forma de sair dessa história de maneira digna. Prefiro que isso acabe com Gilmar atrasando o processo indefinidamente, ou com alguma outra malandragem para tornar sem efeito uma eventual cassação, do que com uma decisão criminosa e vagabunda do TSE julgando Dilma e Temer separadamente. Nem toda instituição brasileira precisa sair dessa crise de joelhos.