Por Tonico Magalhães*
Gratidão é uma dívida imprescritível, já dizia o falecido vereador do Recife Liberato Costa Júnior. Não se pode deixar de honrar o reconhecimento de uma pessoa por alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor, mesmo que nunca seja cobrado.
Esta semana tive a oportunidade de externar minha gratidão ao engenheiro Alexander, participante de um grupo cristão que ajuda pessoas com dificuldades nos pagamentos da casa própria junto aos bancos. No início dos anos 90, inflação alta e salários defasados, me vi na condição de perder o imóvel que morava por atraso nas parcelas. A preocupação envolvia a minha família e me vi sem saída.
A conversa com Alexander foi tranquilizadora. Apontou os caminhos legais para a manutenção do imóvel via Justiça. Mas as dificuldades eram tantas que não havia recursos para os chamados depósitos judiciais. Desisti de ir em frente e terminei perdendo o apartamento. Contudo, naquela conversa percebi que há sempre um caminho a ser seguido e que não vale a pena desesperar.
Quase 30 anos depois, já instalado em moradia definitiva, encontrei com Alexander num supermercado e aproveitei a oportunidade para externar minha gratidão. Com muita emoção, agradeci suas palavras naqueles longínquos dias que serviram de um farol para iluminar meu caminho. A resposta dele foi simples: “seu agradecimento é um presente de Natal”.
Por outro lado, um colega que eu tinha ajudado no início de carreira, que se afastou de mim sem qualquer motivo, me procurou três décadas depois, sem nenhuma cobrança da minha parte, para agradecer a ajuda dos anos passados. Ouvi com emoção o agradecimento, foi realmente um presente para mim, a volta daquele amigo que poderia ter sido e não foi. Hoje nos damos muito bem, isso é o que importa.
Como dizia Liberato Costa Júnior, a gratidão é imprescritível, mas não quer dizer que ele deva ser cobrada e passada na cara de quem foi favorecido. Isto é forçar uma servidão.
Veja o caso do então governador de Pernambuco Eduardo Campos em relação ao ex-presidente Lula. Durante os mandatos de Campos foi vendido pela mídia que os governos petistas beneficiavam o governante pernambucano com verbas e obras. Os repasses constitucionais, obrigatórios, realmente cresceram nos governos Lula e Dilma. O estaleiro para a construção de navios da Petrobras e a refinaria de petróleo em Suape apareceram. A má gestão desses bens e a rentabilidade negativa dos empreendimentos, contudo, desfizeram a ilusão do “benefício”.
Eduardo Campos foi grato ao PT por ajudar Pernambuco. Colaborou com a reeleição de Lula (2006) e com a eleição de Dilma (2010). Quando decidiu candidatar-se à Presidência, no meio do mandato de Dilma, se viu boicotado, acusado de ingratidão. Na verdade, a cobrança pela ajuda não era mais do que uma extorsão por meio de ameaça, com a intenção de obter vantagem ou recompensa, no caso a perpetuação dos votos dos pernambucanos no PT. O que é um crime tipificado no artigo 158 do Código Penal Brasileiro. Por isso, contrariando Liberato Costa Júnior, nesse caso, a gratidão prescreveu.
Como se vê, na política, em geral, a gratidão está sempre em baixa. O reverso, a ingratidão, reina quase absoluta.
O eterno candidato cearense à Presidência da República, Ciro Gomes, disse que “gratidão na política não é inteligente. Porque é algo que fazemos olhando para trás e a política é algo que temos que decidir, mesmo com dor no coração, olhando para a frente”. Ele disse no contexto da campanha presidencial de 2018 quando se viu abandonado por Lula.
Já o ex-ditador de Portugal, Antonio de Oliveira Salazar, morto antes da deposição do seu governo, em 1974, enfatizava que “gratidão pertence a história e não a política”. Seus amigos foram vítimas deste ponto de vista.
De fato, as duas afirmações acima coincidem com o clima da política nacional, onde não existem lealdade ou gratidão. Quem foi eleito por conta de determinadas circunstâncias, em outro momento perderia a eleição, se volta contra o apoiador. É a vida de quem não valoriza este sentimento.
Não há muito o que fazer para resgatar a gratidão no dia-a-dia da política nacional, mas os indianos têm uma solução para isso – embora a política deles não seja fácil -, o uso do incenso de Sândalo, madeira de árvore sagrada da Índia. Quando cortada, ela perfuma o machado que a fere. Um aroma de gratidão e elevação espiritual. É o que desejo a todos. Boas Festas.
*Integrante da Cooperativa de Jornalistas de Pernambuco